Festa de Pentecostes - 23 de Maio de 2010

 Festa de Pentecostes

"Ó, vinde, Espírito Criador, As nossas almas visitai
E enchei os nossos corações com vossos dons celestiais."



"Ouvimos o Evangelho, ouçamo-lo ainda melhor: “Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, [...] veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: ‘A paz esteja convosco. [...] Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós.’ Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: ‘Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados’”.


Eis tudo o que precisamos de saber, para celebrar o Pentecostes. [...] Tudo acontecerá segundo Deus e a sua habitual discrição. Tudo acontecerá na suavidade do Espírito, garantia da sua fecundidade profunda. Eles estavam de portas fechadas e cheios de medo. Com razões de sobra, pois lhes tinham morto o seu Senhor e Mestre, dias antes. Mas eis que, ressuscitado, se apresentou no meio deles, pois quem está absolutamente com o Pai, criador permanente de tudo e de todos, está absolutamente com os filhos, que apenas do seu amor brotam e ganham vida.


[...] É muito boa a admiração com aquilo que já sabemos, sinal certo de que é revelação divina, antes e mais do que mera cogitação nossa. É a nossa verdade e o nosso segredo, a nossa certeza e ânimo: “Ele está no meio de nós!”. E nós estamos com Ele, aí mesmo onde a vida se recupera e amplia, infinitamente.


Caríssimos [...], reparai primeiro no vosso Batismo. Não como um momento passado, mas como uma realidade permanente. Ganhastes aí, no vosso batismo, a vida nova de Cristo, à qual o sacramento vos uniu. Uma vida mais forte do que a morte. A vida da humanidade restaurada em Cristo, que – muito mais do que a borboleta saindo da crisálida! – cresce em vós com um destino imortal, pois vai alargando no vosso espírito e nas vossas atitudes a caridade de Cristo, que “nunca acabará”.


Ouvi-O então, de coração inteiro e atento à sua presença, à sua voz: “ - A paz esteja convosco!”. Uma e outra vez, num sussurro anterior e posterior a qualquer som, ouvi-O: “ - A paz esteja convosco!”.


E aqui, deixai-me dizê-lo, melhor fora calar-me por momentos, ou talvez por muito tempo. Até que as altas naves desta catedral e a maior profundidade dos nossos corações, ficassem absolutamente repassadas e preenchidas, com a presença do nosso Cristo ressuscitado, com a alegria do reencontro, com a suavidade da sua paz. Oiçamo-Lo: “- A paz esteja convosco!”.


Mas prossigamos, como que antecedendo o “sopro” do Espírito que recebereis dentro de momentos. Ouvi-O de novo, a dar-vos o que só Ele vos pode conceder plenamente, pois que O partilha com o Pai. Ouvi-o: “Recebei o Espírito Santo!”.


Ides recebê-Lo, ao Espírito de Cristo, para completar o que já começou a realizar em cada um de vós pelo Baptismo. Sim, irmãos e amigos, é ainda da iniciação cristã que tratamos, devendo ser tomada como um todo, sucessivo e realizador. É Cristo ressuscitado que em nós reproduz a sua vida, a sua Páscoa, pela oferta do seu Espírito: no Batismo, o Espírito começa a realizar em nós a filiação divina, herdada de Cristo; na Confirmação, fará de vós testemunhas do seu Reino, para que o Evangelho que vos salva também por vós salve a muitos, terra em fora.


Participareis plenamente na mais plena das missões. Cristo dar-se-á com uma força que atravessa os séculos e hoje chega a cada um de nós. Com palavras que só Cristo podia e pode proferir, tão absolutas são: “- Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós!”. Quando sairdes desta catedral, caríssimos crismandos, tereis pela frente, o mundo, a vida e a missão. O mundo é este, grande e contraditório, em que vivemos. Grande pela potencialidade humana que mantém; contraditório pelos atrasos e desvios que infelizmente consente, nos conflitos que surgem ou não se resolvem, nas tragédias que sobrevêm ou agravamos por descaso ou incúria.


Um cristão, batizado e crismado, tem em todas essas situações, de maior ou menor recorte, uma única tarefa e missão: fazer a paz, reconciliar sempre. Ouçamos de novo: “Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados”. Sim, é verdade, que a reconciliação sacramental é feita pela Igreja através dos ministros ordenados, na sucessão do ministério apostólico. Mas o Espírito de Cristo, que todos recebemos e hoje reforça em vós a Sua presença, caríssimos crismandos, conta convosco para a obra de reconciliação universal que, de algum modo, a todos incumbe.


Quando daqui sairdes, [...] tereis pela frente, da família à escola, da escola ao trabalho e à sociedade em geral, muitas rupturas a sarar, muitas desavenças a superar, muitas reconciliações a promover. Começareis porventura por vós mesmos e pela profunda reconciliação que cada um tem de fazer consigo, ou melhor com o Espírito de Cristo que em si actua. Deixai-O trabalhar então, realizando em vós aquela absoluta unidade de inteligência e vontade, sensibilidade e propósito que havia em Cristo, Filho de Deus e homem perfeito. E acontecerá, caríssimos [...], acontecerá em vós como aconteceu em tantos homens e mulheres que O Espírito fez santos, a mais linda e urgente aventura: gente reconciliada para reconciliar o mundo. Gente de perdão, para retomar as vidas, Primavera final dum recomeço sem retorno.


[...] Os Apóstolos, em quem o Espírito falava, todos escutavam e entendiam [...] Este mesmo Espírito que quer falar agora através de vós, caríssimos [...]. E, se O acolherdes, podeis crer que todos vos entenderão, sendo todos vós gente de paz. Quem vos ouvir, também ficará “maravilhado” pois proclamareis, precisamente, “as maravilhas de Deus”. Por palavras ditas e por palavras incarnadas nas vossas atitudes, generosas e reconciliadoras. – Não é tudo isto mais que bastante para vos levantar o ânimo e motivar a vida?! É-o decerto e pleno de realismo cristão e pentecostal. De que o nosso mundo precisa e tanto, de que vós sereis exemplo e sempre!


Ainda uma última referência, igualmente importante, com a segunda leitura. Fala Paulo aos coríntios, Igreja cheia de dons do Espírito. Dons que tendo uma única fonte, o Espírito de Deus, têm muitíssimas especificações, tantas quantas a irredutível originalidade de quem O recebe. Como diz o trecho: “Em cada um se manifestam os dons do Espírito para o bem comum. Assim como o corpo é um só e tem muitos membros e todos os membros, apesar de numerosos, constituem um só corpo, assim também sucede com Cristo. Na verdade, todos nós, [...] fomos batizados num só Espírito, para constituirmos um só Corpo. E a todos nos foi dado a beber um único Espírito”.


A esta luz, deixai-me pedir-vos, caríssimos [...], acolhei o dom e o apelo que o Espírito faz e fará, um por um, para o bem geral. Contrariamente ao que se diga, todos somos insubstituíveis, e o que cada um não fizer, por fazer ficará, nesse modo e ocasião. Deixai-me pedir-vos, caríssimos crismandos: - Acolhei o que o Espírito vos pedir, no fundo da consciência e na interpelação da Igreja. Tem alguma razão o nosso povo, quando diz que “cada qual é para o que nasce”; mais razão há decerto para que o Espírito requeira de cada um de vós a coincidência da vida com uma vocação específica. Na vida laical ou na vida religiosa, no sacerdócio ou na missão, para cada um de vós o Espírito tem um segredo e um apelo. Escutai-O hoje, que para tal o recebereis de seguida. Aí encontrareis a felicidade, que só reside na vontade de Deus. Aí a encontrarão tantos outros, que esperam o vosso sim. O Espírito em vós, para a salvação do mundo. Nada menos do que isso e precisamente assim. Amen!

+ D. Manuel Clemente, Bispo do Porto

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