24 de Novembro - São João da Cruz


Festa de São da Cruz
(celebrada hoje no Rito Tridentino)

No meio da noite, porém, ouviu-se um clamor: Eis o esposo, ide-lhe ao encontro.” (Mateus 25,6)

"A todos é dada a chance de alcançar a santidade. Deus nos indica os caminhos que podemos percorrer para tal fim, e isto podemos perceber das mais diversas maneiras, seja através de uma leitura bíblica, uma experiência vivida, seja de forma clara ou implícita, etc. Isto porque os propósitos do Senhor não são em vão, e seus caminhos não são impossíveis. Obter os méritos da santidade não é algo fora de nossas possibilidades, como costumeiramente enxergamos. À primeira vista realmente, não nos parece palpável este ideal, mas sim algo abstrato, até mesmo utópico ou romântico. Supomos ser apenas um pretexto, uma manobra para nos tornarmos pessoas melhores. Porém, ao nos distanciarmos da visão de Deus como um mero “transformador de caráter” e ao retornarmos à visão correta de Deus como o Senhor de tudo e de todos, percebemos que a imitação de Deus é a pauta única que deve reger nossa vida, e da qual jamais devemos desviar.



Caminhando sobre esta pauta, vamos vivendo como que num mar, no qual não devemos nos deter à margem, e sim avançar sempre para as águas mais profundas (Lc 5,4), para que não caiamos facilmente na tentação de retornar a terra. Uma vez lançados ao mar de Cristo, devemos querer mais e mais desta água viva, água que jorra do trono celestial (cf. Ap 22,1).



Como obter tal avanço, se somos frívolos, superficiais, se convertemos nossa natureza em debilidade e entrega ao pecado? O avanço se consegue com o desejo, a renúncia e a perseverança. Ora, se não se quer aprofundar no mar da santidade, se não se troca o “eu” pela Vontade Divina, se não há persistência frente às quedas, o espírito jamais conseguirá evoluir, encontrar a verdadeira luz.



São João da Cruz (1542 – 1591) vem nos mostrar de um modo bem particular, que devemos passar por sobre as nossas dificuldades a fim de sermos perfeitos, algo que o próprio Deus deseja: “O que Deus pretende é fazer-nos deuses por participação, sendo-o Ele por natureza, como o fogo que tudo converte em fogo.” (Ditos de Luz e Amor cap.2, 106b) Independente da vocação, ou mesmo da espiritualidade do homem, o convite à perfeição está entremeado em sua vida desde o seio materno, pontilhado e evidenciado pelos sacramentos, a começar pelo batismo. De alguma forma, sempre seremos lembrados de que há algo mais além no mar da nossa vida.



E é então que surge a “Noite Escura da alma”, um fase difícil, temida pelos descrentes, desejada pelos fiéis, e louvada pelos que por ela já passaram: “Oh! Noite, que me guiaste, Oh! Noite, amável mais que a alvorada, Oh! Noite, que juntaste amado com amada...” (Noite Escura da alma, livro 2) É o período característico dos sofrimentos mais profundos, do despojamento do ego, do calar gradativo dos sentimentos e sentidos, dando lugar à cruz, que se tornará o leito nupcial da alma, que anseia pelas bodas, pelo encontro com o Noivo.



A Noite Escura é o momento de união, de verdadeira fusão com Jesus, pois através dela, provamos da Cruz, da dor redentora de Cristo, escada que nos leva ao céu. É um doce penar, pois nos mostrará a aurora, cuja claridade é infinitamente maior que os degraus que tivemos que subir para avistá-la.



Mas, quando se dá este processo? A que altura da noite avistaremos o Noivo? Não existe um marco, um momento único para todos. A evolução espiritual é pessoal, se dá de maneira diferente em cada ser. Cabe a todos, porém, vigiar.



Podemos nos comparar com as Dez Virgens da parábola (cf. Mt 25): muitas vezes somos com as imprudentes, isto é, nos preocupamos demais em “aproveitar a vida” e nos esquecemos do essencial. Outras vezes, porém, pela graça de Deus, somos como as virgens prudentes que, mesmo que houvessem cochilado (cf. Mt 25,5) durante a vigília, trouxeram consigo o óleo que manteria acesa a chama de suas lâmpadas e, portanto, não perderão o encontro com o noivo.



“No meio da noite, porém, ouviu-se um clamor: Eis o esposo, ide-lhe ao encontro. E as virgens levantaram-se todas e prepararam suas lâmpadas.”(Mt 25, 6-7)



Nossos reservatórios de óleo devem estar cheios, pois não sabemos quando se iniciará e muito menos quanto tempo durará a noite antecedente às núpcias. Tratemos, pois, de ir ajuntando enquanto há tempo, este combustível que nos clareará os passos em meio ao deserto e às trevas que a alma há de atravessar.



Tratamos de “noite” e de “escura” este período que, com efeito, é de sofrimento para alma, mas é ao mesmo tempo de gozo, pois o sofrer, para a alma que deseja Cristo, é imitar o amor de Jesus – a renúncia total: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos.” (Jo 15,13) E como foi caro este amor!



Diz-se que o sofrer é gozo, não em um sentido masoquista, pois aí seria uma forma de satisfazer a carne, e logo uma via oposta à santidade. O sofrimento que nos traz a Noite Escura da alma é como um remédio que possui gosto ruim, mas que é indispensável para sarar o corpo, e assim conservar a vida. É como uma muralha que impede a visão de uma bela cidade, mas que a protege dos ataques do inimigo numa guerra.



Quem busca entender este mistério, mas não busca atingi-lo, jamais poderá encontrar a verdadeira alegria, que é estar pregado à cruz de Cristo (cf. Gl 2, 19b).



Não devemos nos assustar quando o sol começar a se pôr. Pelo contrário! A vigília da Grande Noite é mais simples do que se supõe. Ela consiste em se fazer como uma pequena criança, como o menor dos filhinhos de Deus, preocupado apenas em deitar em seu colo, e se deixar conduzir até o leito. É por isto que devemos procurar o Senhor desde muito cedo (cf. Ecl 12, 1), para desde então nos prepararmos para o encontro com Ele, sem nos preocuparmos com as dores e as tribulações, “porque o Senhor sabe livrar das provações os homens piedosos e reservar os ímpios para serem castigados no dia do juízo” (II Pd 2, 9).



Oh! Noite transformadora! Por ela vamos nos voltado para o centro da alma, onde habita a Santíssima Trindade; por ela mudamos nossa forma de orar; por ela abdicamos aos velhos sentimentos, imagens, lembranças e pensamentos, e nos focamos apenas em Deus; por ela passamos dos sentidos para o espírito. Oh! Noite, que juntaste Amado com amada!



São João da Cruz nos fala desta belíssima escuridão, porque ele mesmo a vivenciou. Foi para o calvário com Cristo, e com Ele ressurgiu. Não o fez por mérito próprio, mas pela graça de Deus. Ele ergueu todo o seu ensinamento sobre o de Jesus; nada disse de novo. Permaneceu fiel às Escrituras, à Tradição e à Santa Igreja, e se tornou mais uma estrela a nos lembrar do Sol Invencível que sempre reaparece, mesmo após as mais tenebrosas noites...



"Confiem em Deus, pois Ele não abandona aos que O buscam com simples e reto coração. Não lhes deixará de dar o necessário para o caminho até conduzi-los à clara e pura luz do amor".

(São João da Cruz)


Extraído de  :http://www.sociedadecatolica.com.br/

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