08 de Novembro - Beata Elisabeth da Trindade


 
 
Irmã Elisabeth sempre foi atraída para o seu interior. Com plena consciência de ser um templo habitado pelo próprio Deus, esforçou-se por aquietar seu mundo interior, numa atenção de amor ao Senhor. Suas numerosas cartas revelam um coração sensível e cheio de amor, terno e mergulhado no mistério que a envolve.

“Encontrei o meu céu na terra, pois o céu é Deus e Deus está na minha alma. No dia em que o compreendi, tudo se tornou luminoso para mim e eu gostaria de confiar este segredo, bem baixinho, àqueles que amo” (Carta 107).
 
 
Cada pessoa tem sua identidade, e esta identidade se estende também à área espiritual. Ou seja, como todos temos nossa maneira peculiar de agir, de nos relacionar com o outro, de expressar nossos sentimentos e afetos, também temos nosso modo pessoal de viver a intimidade com o Senhor.
 
 
Para Elisabeth da Trindade, oração “é aquela elevação da alma a Deus em todas as coisas, que nos coloca numa espécie de contínua comunhão com a Santíssima Trindade, levando-nos, assim, a fazer tudo com simplicidade, sob o seu olhar” (C 191).

 Em outro lugar, diz a uma jovem leiga: “Não é, porventura, verdade que sua alma sente a necessidade de fortalecer-se na prece, sobretudo na oração, nesse íntimo diálogo cordial em que a alma se derrama em Deus e Deus nela, a fim de transformá-la nele?” (C 234).


 Vemos que, para a carmelita de Dijon, oração e comunhão são a mesma coisa. Oração é amor, e quem ama deseja identificar-se com a pessoa amada. Também o orante sente em si esse desejo de identificação com o Senhor, que o atrai ao deserto e lhe fala ao coração. Elisabeth da Trindade chegou ao cume de uma vida oracional, à união transformante – ou matrimônio espiritual – onde é o próprio Deus quem age e toma para si o ser inteiro da pessoa que se entrega. Seu desejo de transformação em Jesus Cristo, e Jesus crucificado, foi plenamente realizado e muito rapidamente Deus consumou sua obra na vida de Elisabeth, que se sentia “esposa do crucificado” e se apossou totalmente desse novo estado de vida.

 
Oração como amor esponsal


“Ser esposa de Cristo! Não é só a expressão do mais doce dos sonhos: é uma realidade divina: é a expressão de todo um mistério de semelhança e união”. Com esse texto, escrito em 1902, vemos sintetizado o pensamento de Elisabeth da Trindade sobre o amor esponsal a Jesus Cristo. De fato, se no relacionamento dos esposos dentro do sacramento do matrimônio pode-se experimentar esta realidade de semelhança e união, ao ponto que, após alguns anos de convivência no verdadeiro amor, um já se assemelhe ao outro e se entendam mesmo à distância e sem usarem as palavras, muito mais num relacionamento com Deus.

Como o Verbo de Deus quis se assemelhar em tudo ao homem – com exceção do pecado – e para isso se encarnou e “armou sua tenda” no meio de nós, também o coração de Elisabeth tem esse sonho de identificação. E o realiza total e profundamente. De fato, no fim de sua vida, quando a doença já havia realizado nela toda uma obra de destruição física, suas Irmãs da comunidade do Carmelo de Dijon atestam que pareciam ver o próprio Crucificado estendido naquela cama. O amor tem a característica de transformar em si tudo o que toca.

 Elisabeth elenca outras características do amor esponsal em suas obras. Já na sua célebre “Elevação à Santíssima Trindade”, diz a Jesus Cristo: “Ó meu Cristo amado, crucificado por amor; quisera ser uma esposa para vosso coração, quisera cobrir-vos de glória, amar-vos... até morrer de amor! Sinto, porém, minha impotência e peço-vos revestir-me de vós, identificar minha alma com todos os movimentos da vossa, submergir-me, invadir-me, substituir-vos a mim, para que minha vida seja uma verdadeira irradiação da vossa”.

É próprio do amor não buscar a própria glória. O egoísmo é o oposto do amor, e quem ama esquece-se para que o outro seja. “Convém que ele cresça e eu desapareça”, dizia João Batista sobre Jesus. E as pessoas que vivem o amor sabem desaparecer – sem que isso signifique anular-se como pessoa – para que o outro seja “coberto de glória”.


Sentem-se felizes ao ver isso se realizar, porque já se supõem uma mútua comunhão de dons. O que é de um é também do outro, e esta já é outra característica do amor esponsal apresentada por Elisabeth. “Ser esposa quer dizer abandonar-se como Ele se abandonou; quer dizer ser imolada como Ele, por Ele e para Ele – o Cristo se torna totalmente nosso e nós nos tornamos totalmente Dele”. Já não mais existe o “meu” e o “teu”, tudo o que é de um pertence ao outro e vice-versa.

 Vemos na carmelita de Dijon uma delicadeza de percepção das realidades humanas do desponsório para depois transpô-las ao âmbito espiritual com simplicidade e profundidade. “É fixá-lo (o Esposo) sempre com o olhar para perceber o mínimo sinal e o mínimo desejo; é entrar em todas as suas alegrias, condividir todas as suas tristezas. Quer dizer ser fecundos co-redentores, gerar almas para a graça, multiplicar os filhos adotivos do Pai, os redimidos por Cristo, os co-herdeiros de sua glória”. Assim como é próprio do matrimônio a fecundidade, também no amor esponsal não pode haver esterilidade. “Pelos frutos os conhecereis”, dizia Jesus. E o fruto de um amor desse quilate são as almas conquistadas para o Reino. Por isso, quem atingiu esse grau de comunhão com Deus não pode ficar ocioso.


 Quer trabalhar e se consumir para que todos possam encontrar esse “tesouro escondido”. A salvação das almas torna-se uma espécie de “obsessão” em sua vida. Faz tudo o que pode e sabe, para cativar as pessoas para Deus. Quer se consumir pelos irmãos assim como seu Esposo o fez numa cruz.


“Quantas coisas esse nome (esposa de Cristo) evoca sobre o amor dado e recebido, sobre a intimidade, a fidelidade, a dedicação absoluta!” Além dessas características até agora citadas, existe uma que resume e engloba todas as demais: a UNIDADE. De fato, não existe verdadeiro matrimônio sem uma total unidade. Os méritos de Jesus Cristo, as promessas, as palavras, o amor, enfim, tudo que lhe pertence se torna posse da esposa e tudo que é da esposa – dons, fraquezas, sonhos, ideais, limitações etc. – é assumido pelo Esposo. Por isso, tudo o que toca a Ele toca também a ela. É o mistério do amor que faz de dois UM.


 Deus vai preparando a pessoa para este cume de um relacionamento no amor, que os místicos chamam “matrimônio espiritual”, e está magistralmente descrito nas sétimas moradas do livro “Castelo Interior”, de Santa Teresa de Jesus. Elisabeth entendeu-o bem, por isso encerra sua descrição de uma “esposa de Cristo” com estas palavras: “Quer dizer o Pai, o Verbo e o Espírito que invadem a alma, deificam-na, consomem-na no UM por amor. Quer dizer matrimônio, o estado estável, porque é a união indissolúvel das vontades e dos corações. E Deus disse: Façamos uma companhia semelhante a eles: eles serão dois num só ser”.


Em conclusão, vemos como a Beata Elisabeth estava consciente de sua missão de esposa junto ao coração de seu Esposo Jesus. Ela emprega esta expressão muitíssimas vezes em seus escritos e cita o livro bíblico do Cântico dos Cânticos também muitas vezes – livro que inspirou a tantos místicos no concernente à doutrina sobre o mais elevado grau de intimidade com Deus como sendo o matrimônio espiritual. Deus, ao criar o homem, capacitou-o a viver esse misterioso relacionamento de amor esponsal com Ele. Dando-lhe o Espírito Santo transformou-o em templo da Santíssima Trindade pelo Batismo e o convida de diversos modos a entrar em comunhão de amor com Ele. O homem, por sua vez, traz em si uma sede insaciável de infinito, sede do próprio Deus e busca, apesar das limitações impostas por sua condição de pecador, esta união plena com o Senhor num amor forte, transformante e unitivo.

 
Mestra da oração

 Quem encontra o tesouro vai, vende tudo o que possui e volta para comprá-lo, mas depois não pode mais mantê-lo escondido, deve fazer a luz iluminar a todos, colocando o candeeiro sobre a mesa. Uma vida oracional tão profunda, chegando à união transformante de que fala São João da Cruz, não poderia ficar confinada apenas ao interior da própria beata Elisabeth da Trindade. É preciso responder a tamanho amor e gratuidade do Senhor com as obras. “Obras quer o Senhor”, dizia Santa Teresa de Jesus para quem chega às sétimas moradas de seu “Castelo Interior”.


Elisabeth não retém para si as graças que Deus lhe concede – sobretudo a de uma oração profunda e adoradora –, mas convida a todos, sacerdotes, leigos, jovens e adultos a buscar ao Deus Trindade que habita em seus corações pelo Batismo. Suas cartas são páginas do mais fino e delicado apostolado entre suas amigas e amigos. Abre a cada um deles um leque de possibilidades para o encontro com o Senhor em meio aos afazeres normais da vida que levam. Sua missão é atrair as pessoas ao interior de si mesmas para o encontro pessoal com Deus. A partir daí o próprio Senhor se encarrega de fazer sua transformação em suas vidas.

Os conselhos que dá a uma amiga revelam esse transbordamento de sua vida interior: “Sim, querida senhora, vivamos com Deus como com um amigo. Procuremos avivar a nossa fé para comunicar-nos com Ele através de todas as coisas, pois assim conseguiremos a santidade. Carregamos o céu dentro de nós... parece-me ter encontrado o meu céu na terra, porque o céu é Deus e Deus está na minha alma. O dia em que compreendi isso, tudo se iluminou dentro de mim e muito gostaria de sussurrar esse segredo àqueles que amo, para que também eles, através de todas as coisas, se unam sempre a Deus e se concretize aquela oração de Jesus Cristo: ‘Pai, que sejam perfeitos na unidade’ (Jo 17,23)” (C 107).


 Ainda que sem esse título, Elisabeth da Trindade é ‘mestra’ na vida de oração. Basta tomar algum de seus escritos e todos nos sentimos envolvidos por um clima de interioridade. Nesta época em que vivemos, entre tantos desafios e questionamentos, Elisabeth nos desperta ao amor puro e genuíno para com o Senhor, para que possamos depois irradiá-lo, sendo agentes de transformação deste mundo.

 
Irmã Maria Elizabeth da Trindade, OCD – Carmelo S. José – Passos(MG)
 
 

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