03 de Outubro - Festa de Santa Teresinha do Menino Jesus

A Alegria de Ser Pequena


"... Se não vos tornardes como as crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus" (Mt 18,3b), confidencia-nos Jesus no evangelho proclamado todos os anos na festa de Santa Teresinha. Não tivesse brotado do coração misericordioso d 'Aquele que veio ao mundo não para condená-lo, mas para salvá-lo, esta frase pesar-nos-ia como uma ameaça, porque condiciona a salvação: quem conservar suas manias de grandeza, "de modo algum" terá acesso ao Reino. Espelhar-se no exemplo das crianças é a senha que abre as portas do Reino.



Para o discípulo tornar-se criança, não precisa fazer muita coisa. Ele precisa realizar um único exercício: reconhecer sua própria pequenez. Este reconhecimento da própria fraqueza e indigência trata-se de um dom a ser cultivado. Serão impedidos de ingressar no Reino os que não se espelharem no modelo das crianças rechaçadas da sociedade do tempo de Jesus.



Este texto de Mateus é a porta de entrada do edifício espiritual de Santa Teresinha. Ele nos permite atingir o núcleo da "Pequena Via", a "pequena doutrina" que a Santa de Lisieux criou para si, não a partir de indagações filosóficas, mas baseada na observação de si mesma, de suas limitações pessoais, aliadas à decisão de ser santa: o desejo de permanecer criança aos olhos do Pai.



Todas as nuances do legado espiritual da Santa de Lisieux devem ser interpretadas pela chave da "pequenez". Uma leitura correta de seus escritos só procede quando compreendemos a sofreguidão com que procura, acima de tudo, ser criança, o que não se avalia somente por sua escrita infantil, pontuada de diminutivos. Teresa queria ser criança no sentido evangélico. Não desejava retroagir ou estacionar no estágio infantil da psicologia evolutiva. Buscava ser uma "tabula rasa" diante de Deus, na dependência exclusiva d'Ele, característica talvez ausente nas crianças de hoje, que, desde cedo, familiarizadas à tecnologia, e tendo acesso a todas às fontes de informação, parecem já nascerem sabendo tudo.



Ela anseia permanecer criança porque possui consciência de suas limitações e fraquezas, e também por sabedoria, que bem pode ser entendida como "esperteza". Sabe que, assumindo o estado de criança, só tem a ganhar aos olhos de Deus, além do que, para ser santa, sua maior aspiração, não lhe é oferecida outra alternativa.



Não poderia tripudiar com seu Amado Jesus. Não poderia enganar Seu esposo usando uma capa de grandeza que, efetivamente, não possuía. O que pode parecer um truque para escapar às duras penitências e sacrifícios transforma-se em autêntica vocação: "Jesus se apraz em me mostrar o único caminho que conduz a essa fornalha divina, esse caminho é o abandono da criancinha que dorme, sem medo, nos braços de seu Pai" (Cf MB.1r). Sem saída, rende-se aos encantos do Amado que apenas lhe solicita entrega confiante. A "Pequena Via" é uma calçada de amor na qual a criança encantada passeia.



A pequenez de Teresa torna-se ainda mais compreensível quando iluminada por outra palavra de Jesus: "Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos" (Mt 12,16) diz o Senhor, levando-nos a crer que o Pai não partilhou a intimidade de seus segredos com todos. O Filho, em sua ação de graças, manifesta intensa alegria, aprovando e parabenizando o Pai por ter-se revelado inteiramente aos pequenos. Jesus demonstra seu contentamento porque algumas "coisas" foram depositadas com exclusividade no coração dos "pequeninos". Quem não se torna pequenino e não se transforma em criança não conhece os segredos do Reino, é o que podemos deduzir.


A Santa Doutora Teresinha do Menino Jesus foi uma "pequenina" a quem o Pai manifestou os segredos do Reino. Em cada página de seus escritos, especialmente no "Manuscrito B", ela proclama os segredos de Deus revelados à sua alma pequena: "Ah, se sábios, que tivessem passado suas vidas no estudo, viessem me interrogar, sem dúvida ficariam pasmos em ver uma criança de quatorze anos compreender os segredos da perfeição, segredos que toda a ciência não pode revelar" (MA 49r). Espanta-nos a precocidade de Teresa na compreensão das coisas de Deus. Por outro lado, não se pode deixar de admirar sua aceitação imediata daquilo que aparenta ser incompreensível: os caminhos misteriosos do Amor de Jesus que a deixa na "noite escura". Árido mistério no qual sua pequenez não consegue penetrar.



Seus textos transpiram humildade, submissão à vontade de Deus, uma formidável atração pelos últimos lugares e uma confiança absoluta no amor misericordioso do Pai. Trata-se de alguém que precisa levantar a cabeça para contemplar tudo que se encontra fora do alcance de sua mão. Na infância, para ver pela última vez o rosto de sua mãe estendida no caixão precisou erguer a cabeça "para ver a parte de cima e parecia-me muito grande... muito triste" (MA 13v). Este esforço irá acompanhá-la por toda a vida. Pequena, quer voar, atingir as alturas da Montanha do Amor.



Mesmo quando não lhe é concedida a graça de receber luzes esclarecedoras, terá a convicção de jamais ser abandonada pelo Pai. Angústias e sofrimentos não a impedirão de crer que, mesmo quando parece dormir, Jesus está atento à sua aridez espiritual. Tudo isto sem perder o bom humor e a alegria de viver. Alegria que, segundo o testemunho de Irmã Genoveva, era uma alegria infantil, heróica: "Minha santa Irmãzinha conservou até o fim de sua vida maneiras infantis e encantadoras que tornavam sua companhia muito agradável. Sua amável alegria parecia mesmo crescer com o sofrimento". (Conselhos e Lembranças, p. 145).
Teresa é uma criança contente, a quem satisfaz qualquer carinho do "Bom Deus". Em tudo ela desvela a ternura de Deus, nas coisas e episódios mais insignificantes. A consciência de ser "... essa criança, objeto do amor previdente de um Pai..." (MA39r) fá-la acreditar que Deus não leva em conta sua fragilidade pois "... as criancinhas agradam a seus pais igualmente, quer estejam dormindo, quer estejam acordadas" (MA 75v). Jamais tem medo de ser repreendida ou castigada. Usa, sempre, como trunfo, o fato de ser criança: "Minha desculpa é que sou uma criança, as crianças não refletem no peso de suas palavras (...) (MB 4r)



Ela dobra o poder, a fortaleza do Deus terrível fomentado pela espiritualidade de sua época. Suas armas infantis levam-na a seduzir a Suprema Majestade, assentada em seu trono, despertando n' Ele uma misericórdia e afetos que os "sábios" desconhecem porque não têm o atrevimento das crianças, não se jogam nos braços do mistério. Têm medo de errar, tremem diante da possibilidade do fracasso. Ela enfrenta as próprias fraquezas sem recear ser derrotada no seu intento de viver unicamente o amor. Nem o pecado mortal, que, segundo o Pe. Pichon, ela jamais cometeu, tirar-lhe-ia a confiança (Cf. CA 20.7.3).



Também por ser criança, pode pensar em fazer loucuras: "... sinto em mim outras vocações, a de Guerreiro, a de Sacerdote, a de Apóstolo, a de Doutor, a de Mártir... sinto na minha alma a coragem de um cruzado... Queria morrer num campo de batalha pela defesa da Igreja..." (MB 3f). Como viver todos estes chamados enclausurada no jardim carmelitano? Embora não desmereça a sublimidade de ser "Carmelita, esposa e mãe" (idem), confessa desejos sem temer zombarias: "Gostaria também de pregar o Evangelho nas cinco partes do mundo, até nas mais longínquas ilhas" (MB 3v). No Carmelo permitiu que crescesse seu sonho de martírio. Sua loucura vai mais além: não conseguiria satisfazer-se "com uma forma de martírio... Para satisfazer-me, preciso de todas". (Idem). Preocupa-se com as reações de Jesus a respeito dessas "loucuras", pois sabe que não "há alma menor, mais impotente" (Ibidem) que a sua.



A impotência diante de sonhos tão irrealizáveis conduzem-na à escuta da palavra de Deus, aos capítulos 12 e 13 da primeira epístola aos Coríntios. Aí descobre a "chave" de sua vocação: o Amor. A uma criança só resta amar: "... no Coração da Igreja, minha Mãe, serei o Amor... serei tudo, portanto..." (MB 4f). Mais difícil que ser Apóstolo, Sacerdote e Guerreiro é oferecer-se como "vítima" ao Amor. Para tanto a criança "impotente e fraca" é suficientemente audaciosa. A "alma imperfeita", a "Criança da Igreja" é muito pequena para realizar grandes obras. Os grandes pensam muito antes de se entregar a uma tarefa para a qual não se sentem preparados. As crianças são mais audaciosas: "Sou apenas uma criança impotente e fraca, mas é minha própria fraqueza que me dá a audácia para me oferecer como Vítima ao teu Amor" (MB 4f).



A pequena Teresa decifra os "segredos da perfeição" no "livro da vida" e não através de visões extraordinárias ou dos tratados teológicos e místicos: "Sem mostrar-se, sem se fazer ouvir, Jesus ensina-me em segredo, não é por meio dos livros, pois não entendo o que leio, às vezes, porém, uma palavra como esta que destaquei no final da oração..." (MB 1v). Elucubrações e conceitos filosóficos e teológicos não a interessam. Há coisas que ela reconhece humildemente fugir à sua compreensão. Mas, quando em atitude de oração, mesmo no silêncio e na aridez, basta-lhe uma palavra para lhe descortinar a Ciência do Amor: "A ciência do Amor, oh sim! Esta palavra soa doce ao ouvido da minha alma, só desejo essa ciência..." (Idem).



Teresa quer ser perfeita, e, para tanto, não encontra outro caminho além daquele que conduz ao perfeito abandono nos braços de Deus. Estará sendo sutilmente irônica quando afirma em uma longa carta dirigida ao Pe. Roulland que deixa " para as grandes almas, os grandes pensadores, os belos livros que não consigo entender, menos ainda praticar..." (CT 226)? Estaria repudiando os equívocos daqueles que buscam nos manuais de espiritualidade uma espécie de santidade acadêmica, caminho inverso àquele do evangelho? A santinha que muitos consideram ingênua estaria lançando farpas nos "doutores", gigantes da vida espiritual? Certamente essas linhas não foram escritas em tom acusatório.



Ela tem coisas mais importantes com as quais se preocupar. Encontra-se empenhada em alegrar-se "por ser pequena" (idem). Por isso sua vida será uma suave canção de amor a Deus, até o fim. Não desafinará quando o sofrimento atingir seu auge. Mesmo roucamente, a criancinha dirá ao final: "Meu Deus, amo-vos". Aquela que intercede por nós é muito pequena, mas sua alma reveste-se da fortaleza de um gigante. Quem resiste ao impulso de carregá-la ao colo, mesmo sabendo que é ela quem nos carrega até Jesus?



Autor : Pe. Antonio Damásio Rêgo Filho
fonte : Paróquia de Santa Teresinha de Belo Horizonte - MG

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